PUTZ

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O Bagre tem uma pastelaria. Ele ainda é meu bruxo, mesmo que hoje em dia as coisas tenham mudado. Percebi isso na última vez em que estivemos juntos. Notei uma grande diferença, quase um abismo, entre o que éramos e o que nos tornamos. Não somos como antes, no tempo em que o Evandro era vivo. Nossas vidas tomaram rumos diferentes.

O pai do Bagre, seu Milton, foi amigo do escritor Sergio Faraco. Nenhum amigo daquela época ouvira falar nesse autor consagrado. A maioria dos parceiros daquele tempo nunca curtiu literatura. Meu primo foi quem nos apresentou. Já o conhecia de vista, da beira da praia. Eram vizinhos, ele e o Evandro. Os três, mais velhos do que eu, me distinguiam por causa do futebol. Sempre assim, desde criança. “Chama que o guri é bom.”

Quanto tempo faz aquilo? Olhando o Bagre hoje em dia, não vejo a mesma pessoa. Envelheceu, também envelheci. Fiquei careca e deixei a barba crescer para disfarçar. Não é disso que falo. A cara dele é preocupada, de quem precisa fazer dinheiro todos os dias. Nunca conheci alguém que não gostasse do Bagre. Quando nos apresentaram era funcionário dos Correios. Depois largou tudo e foi trabalhar num posto de gasolina em Santa Catarina, onde morou quase três anos.

Na volta eu já estava formado e o Evandro tinha morrido. Será que o Bagre sente falta daquele tempo, daquelas horas vadias, à beira do Guaíba, no Bar do Torto? Vou perguntar se lembra de tudo aquilo. Festas na boate Mil e Uma Noites. Reveillon na ilha do Jangadeiros. Carnaval no Clube do Professor Gaúcho. Verão da Lata. Vou perguntar se ele acha injusto que o trabalho esteja sempre em primeiro lugar, se também acha que o ócio deveria ter um momento reservado em nossas vidas. Putz. Os anos passam rápido.

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